Bairro da Sacor

domingo, 2 de setembro de 2007

ARDINA JOSÉ LEITÃO

«Vila Franca, tem mil-homens à entrada e mil-homens, à saída.»
Ditado Popular

Vem, a prosa, a propósito dos artífices e íncolas, da Vila de Cira.


© CMVFX

Largo do Município da Vila de Cira

Existem artífices de trato fino que não dispensam o sorriso aberto ao balcão da loja.

Travar conhecimento com os artífices da Vila de Cira, por vezes, não é tarefa fácil, para o forasteiro.

Não foi tarefa difícil travar falatório com José Leitão, ardina, cidadão da Vila de Cira, de estatura baixa, calvo e obeso, ao balcão do seu quiosque, defronte, à Escola «João de Deus».

- Bom dia. O jornal «Expresso». Por favor.
- Bom dia. Valentina. Dá aí, o jornal ao senhor.
- Uma sandes mista, sem manteiga e um sumo de laranja. Por favor.
- Gina! Serve aí, o senhor.
- Já agora. Um café e um maço de cigarros. Por favor.
- Anabela! Serve aí o senhor.
- Posso sentar-me na esplanada?
- Anabela. Limpe a mesa, a cadeira e o cinzeiro, para o senhor. Obrigado.

Olhei de soslaio, o Leitão, sentado, num banco comprido, à sombra de uma laranjeira, defronte, ao Hospital de Cira.

Coçou a careca. Bocejou. Pegou no telemóvel e com o dedo indicador direito, em riste, procurou, numa agenda, um número de telefone.

- Bom dia. Fala José Leitão.
- Estou à espera dos filmes do jornal «Expresso». Tenho um cliente, que fala, fala, mas, não diz nada. Mas tem razão. Quer comprar os filmes.


Estava sentado na esplanada do quiosque do Leitão, a saborear um café delicioso. Acendi um cigarro.

Quando desfolhava as páginas do jornal «Expresso» da Olisipo, senti no ouvido direito, um ruído estranho.

Olhei de soslaio.

Uma equipa médica e de enfermagem preparava-se para o pequeno-almoço, após, o turno da noite, no Serviço de Urgência.


- Bom dia. Senhor Leitão .
- Bom dia. Senhora Doutora .
- A minha revista. Por favor.
- Valentina. Dá aí, a revista à Senhora Doutora.
- Senhor Leitão. Como vai de saúde?
- Senhora Doutora. Sinto-me bem. Obrigado.



Diz o provérbio: «Amigos e livros, querem-se poucos e bons.»

No quiosque do Leitão pode ler-se notícias frescas da Lusitânia e de paragens distantes.

Os fregueses do Leitão quando lêem notícias frescas, numa fracção de segundo deleitam-se, em conversas de amigo, escárnio e mal-dizer.

O Leitão não gosta de ouvir as conversas dos fregueses.

Quando acontece falatório do improviso, coça a careca e o nariz e, em voz alta, diz:

- Valentina. Vou à Estação dos Correios.

Tem graça. A perspicácia do Leitão.

A Vila de Cira tem artífices de trato fino.

Todas as manhãs recebo notícias frescas, umas boas, por vezes, de tragédia, pelas mãos do Abreu do Bigode, carteiro de bairro, na Vila de Cira.

O quiosque do Leitão é local de encontro e de venda de notícias frescas e de passadiço, do Hospital de Cira.

Ao balcão do quiosque do Leitão, o cidadão, anónimo, verte lágrimas, pela perda de um familiar e, de alegria, pelo nascimento de uma criança.

O Leitão é um homem de emoções fortes.

Ouve os testemunhos de tragédia.

Leva no pensamento, as notícias de tragédia, que irá vender.

O quiosque do Leitão é local de encontro, de vizinhos e amigos.

O Leitão, fala, fala, mas, por vezes, não diz nada.

Gosta da companhia do Ti Alfredo, mestre carpinteiro e do seu cantarolar:


Vizinhos do pé da porta
quando não sejam leais
bom dia uma vez por dia
já são conversas demais.
Ditado Popular


E, quando recebe a visita do Alfredo Ciclista.

O ardina Leitão, em voz alta, diz:


-Valentina. Dá aí, uma garrafa de água, ao Alfredo Ciclista.

O ardina Leitão. Sorri. Coça a careca. Apetece-lhe cantarolar:

© Espólio Miguel R.C.V.Santos
Miguel Carapinha [Pintor de Letras]


Um biciclista
para ser biciclista
tem que saber dar aos pedais
mete-se pela Rua Direita
e vai sempre parar ao Cais.
António Tomás [Gaibéu]


A Vila de Cira tem artífices de trato fino.

- Leitão. Outra vez. A cantiga do biciclista. Nunca andei de bicicleta. Sou carpinteiro. Gosto mais do ruído das minhas ferramentas. Serro e limo, a madeira e quando estou inspirado, faço brinquedos. Tenho na minha oficina um biciclista. Queres comprar?


Tem graça.

Disse adeus, ao ardina Leitão, sem pagar, o pequeno-almoço, o café, o jornal e o maço de cigarros.

- Graciete. Faz aí, a conta ao senhor.

© José Fragata

1 comentário:

§©ªJoker«¬­® disse...

Espectáculo.
È o que me apraz dizer deste Post do meu amigo José Fragata.
Espero que nunca pare de escrever neste nosso blog, pois a sua participação dá uma mais valia a este local de encontro de amigos.
Um grande abraço.